quinta-feira, 8 de julho de 2010
Estatutos do Homem de Thiago de Melo
Estatutos do Homem
Artº1º – Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida, e que de mãos dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira.
Artº2º – Fica decretado que todos os dias da semana inclusive as terças-feiras mais cinzentas têm direito a converterem-se em manhãs de domingo.
Artº3º – Fica decretado que a partir deste instante haverá girassóis em todas as janelas e que os girassóis terão o direito de abrir-se dentro da sombra.
Artº4º – Fica decretado que o Homem não precisará mais de duvidar do Homem, que o Homem confiará no Homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
PARÁGRAFO ÚNICO – O Homem confiará no Homem como um menino confia noutro menino.
Artº5º – Fica decretado que os Homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura das palavras. O Homem sentar-se-á à mesa com o seu olhar limpo, porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
Artº6º – Fica estabelecida, durante dez séculos a prática sonhada pelo profeta Isaías que o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de outrora.
Artº7º – Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade e a alegria será uma bandeira generosa que será sempre desfraldada na alma do povo.
Artº8º – Fica decretado que a maior dor sempre foi e será não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.
Artº9º – Fica permitido que o pão de cada dia tenha no Homem o sinal do seu suor mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artº10 – Fica permitido a qualquer pessoa a qualquer hora da vida o uso do traje branco.
Artº11º – Fica decretado, por definição, que o Homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo do que a estrela da manhã.
Artº12º – Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma begónia na lapela.
Parágrafo único – Só uma coisa proibida: Amar sem Amor.
Artº13º – Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o Sol das manhãs vindouras, expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformar-se-á numa espada fraternal, para defender o direito de cantar a festa do dia que chegou.
Artigo Final – Fica proibido o uso da palavra Liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a Liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, ou como a semente de trigo e a sua morada será sempre no coração do Homem.
Santiago do Chile, Abril de 1964
Thiago de Mello
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